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Ciranda Poética

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Este espaço se abre para trocas, descobertas e aprofundamentos desta arte quei nspira e tanto colabora para o processo de individuação!

INSTANTE ANUNCIADO (Manoel de Barros em ‘Face Imóvel’) Um chapéu velho! Eu não via seu rosto, que um velho chapéu, Esmaecido pelo sol, cobria. Mas sei que não chorava E nem tinha desejo de falar. Porque sabia que alguma coisa vinha chegando De manso, alguma coisa vinha chegando... Eu não via seu rosto, Seu rosto sombreado que um velho chapéu, Esmaecido pelo sol, cobria. Mas sei como ele amou aquele instante Mas sei com que prazer ele esperou Aquela que viria com os lábios úmidos para ele A que havia de vir passar as mãos Pelos seus joelhos feridos. Leitura simbólica: Símbolos interessantes neste belo poema de Manoel de Barros! Em linhas gerais, faço a leitura da temática do masculino e trago algumas perspectivas para reflexão, nos seguintes símbolos: Chapéu, velho chapéu, velho chapéu esmaecido pelo sol, rosto coberto pelo velho chapéu esmaecido pelo sol, joelhos feridos Pode-se pensar no chapéu como símbolo do que protege, preserva, resguarda a cabeça. A cabeça representando a mente, a razão, o controle. O sol como elemento da natureza que também representa o masculino, a racionalidade, a exposição, a concretude. Um chapéu desbotado pelo sol, pode ser visto como uma vivência intensa desta polaridade humana – a masculina. Rosto coberto pelo velho chapéu desbotado pelo sol, pode apresentar a perspectiva de uma identidade não revelada, escondida e protegida deste sol tão ardente. Ou seja: provavelmente esta pessoa tem muito mais a revelar, enquanto Totalidade, além desta postura enrijecida numa atitude puramente masculina. Além disso, o chapéu também indicando uma proteção já desbotada, sem cor, sem vivacidade, consequência de uma conduta unilateral, exposta por tanto tempo, que naturalmente trouxe desgaste para o corpo e, no poema, os joelhos estão feridos! Joelho fala de uma estrutura que pede flexibilidade, um “baixar a guarda” e reconhecer-se menor diante do Todo. Um ato de humildade que o Ego, quando assume o papel de mau soberano, não é capaz de curvar-se. Mas, felizmente, neste poema há alguém que espera em silêncio...e não chora...porque sabe que, mansamente, algo se aproxima... (ele apenas sabe! não calculou, não programou, não controlou, apenas sabe!) Tantas reticências ilustram a chegada desta outra polaridade! Esta que é silenciosa... branda... acolhedora...lunar. De alguma forma, aquele que traz os joelhos feridos, (se não estivessem feridos, será que se curvariam? Ou, justamente, as feridas vieram à tona porque ele, finalmente se curvou?) teve na proteção desgastada pelo sol, a oportunidade de abrir uma brecha de respiro para aquela que sempre esteve lá: vívida, potente... a dos lábios úmidos (não secos e esturricados pelo calor de um sol excessivo) e com mãos curativas - afinal, um masculino que permite ser tocado pelo feminino, romperá sua travessia neste deserto sem fim. Este oásis que se apresenta - e tão aguardado por aquele que esteve numa árdua travessia - é descrito pelo olhar poético da certeza do quanto aquele instante foi amado e com que tamanho prazer foi esperado o toque daquele feminino úmido e curativo. Assim funciona nossa relação íntima, independente de nosso gênero: não há possibilidade de fluidez, de criação, de expansão, se não nos relacionamos de maneira positiva com o feminino que nos compõe. O feminino é a expressão erótica (de Eros, o que possibilita o relacionamento) da nossa alma e é na permissão deste encontro que o clima e convivência com nossa intimidade e vínculos exteriores se amenizam! Um abraço! Karina Lopes Cabral

© 2024 Ciranda Analítica

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